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A Força da Forma – Disseny Obert

A Força da Forma

Moura, Mário

A Força da Forma

2019 Lisboa
Orfeu Negro
Editora

Mário Moura é crítico de design. Leciona História e Crítica do Design na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto, integrando também o Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade (i2ADS). Escreve regularmente para jornais, revistas e no blogue The Ressabiator. É autor do livro O Design que o Design Não Vê (Orfeu Negro, 2018). Parte dos seus textos foram recolhidos no livro Design em Tempos de Crise (Braço de Ferro, 2009). A sua tese de doutoramento trata da autoria no design.

A Força da Forma, editado pela Orfeu Negro em 2019, é um livro sobre design português e as suas potenciais interseções políticas, institucionais e sociais. Tem como ponto de partida a exposição homónima comissariada pelo seu autor na 1.ª edição da Bienal de Design do Porto desse ano. Mais direcionado para um nicho de pessoas que leem sobre design, o livro faz também pequenas incursões pelas áreas da arquitetura e da banda desenhada. Assim, pela sua linguagem simples, pelos exemplos concretos e explicações claras e acessíveis sobre os temas e conceitos abordados, torna-se uma obra apetecível à leitura de um público muito mais vasto e com níveis de conhecimento bastante distintos dos estudantes e profissionais de design.

A capa provocatória do livro poderá ser uma surpresa para quem, como eu, desconheça a capa original de 1969 de Pioneers of modern typography de Herbert Spencer e se depare com a sua ilustração a meio da obra. Com esta citação, o autor começa por confrontar o leitor com uma das questões que levanta ao longo do livro: “Em que consiste a originalidade do design?” (p. 121). Nas primeiras páginas da epígrafe, a citação “A violência dos corpos foi substituída pela força das formas. (…)” de Achille Mbembe – retirada da tradução portuguesa do seu livro Políticas da Inimizade – apropriada por Moura para o título do seu projeto, lança de imediato o mote para o que é explorado ao longo das 180 páginas que compõem a obra.

Constituída por um conjunto de 17 crónicas historiográficas não numeradas e com uma certa autonomia entre si, a obra estabelece relações entre exemplos concretos selecionados para o projeto expositivo e não só, permitindo uma expansão de conteúdos muito maior e de grande pertinência. A ligação do livro ao conteúdo da exposição não é muito vincada pelo autor, a não ser na apresentação dos dois sob o mesmo título e tratamento gráfico, da responsabilidade do designer Rui Silva. Esta é antes inferida no processo de leitura, em grande parte pelos objetos que funcionam como ponto de partida desbloqueador para o tema de cada um dos textos.

Na primeira crónica, ao qual o autor dá o nome de Um País em Forma de Fronteira, apresentam-se questões introdutórias sobre a historização do design português que serão transversais a todo o livro, tais como: “O que é o design português?” ou “Consegue isolar-se um estilo?” Além disso, apresentam-se as intenções editoriais ou curatoriais que orientaram o projeto: “Ao arrepio dos percursos habituais na história do design, investigaremos outras unidades e outros trajetos, outras continuidades. Traçaremos os percursos que uma forma faz” (p. 17). N’O Discurso sobre o Feio e o Fora, o autor traz para a discussão o feio e a periferia, com base no caso da revista Periférica, editada pela junta de freguesia de uma aldeia de Vila Pouca de Aguiar, no interior do país. Em As Dependências do Jornal O Independente, são postos lado a lado os jornais Expresso e O Independente, caracterizados pelo autor como “um conflito geracional objetivado no plano das formas” (p. 95). No capítulo final, Portugal, o Livro (a Forma de Um País), o autor apresenta o livro, mais concretamente o álbum, como lugar-comum às narrativas visuais de representação utópica do país.

Em Os Livros dos Pioneiros Modernos, o autor procura mostrar, a partir da versão portuguesa da obra de 1962, Pioneers of Modern Design, a latente desvalorização do design, quer pelas qualidades do objeto gráfico, quer pela tradução da palavra design por “desenho”. “O design, em inglês, não era possível no Portugal nacionalista de Salazar” (p. 40). A Polémica do Alinhamento à Esquerda de Eric Gill, apresentada no capítulo com o mesmo nome, evidencia, uma vez mais, o conservadorismo que pautava a disciplina em Portugal. Na versão portuguesa da obra An essay on typography, “o uso das contrações e do alinhamento à esquerda” (p. 62) foram considerados injustificados. Em Caligrafia, Tipografia e Design, abordam-se os diferentes manuais de tipografia portugueses e a transferência do campo da caligrafia que, antes fazia parte da pedagogia da língua portuguesa, para o corpo de conhecimento da disciplina do design. 

O tema da criação da figura de designer-herói é apresentado na crónica A Forma Biográfica do Designer, a partir do curioso caso do designer ficcional Ernst Bettler. “Precisamos de heróis, e inventamo-los quando não conseguimos encontrá-los de outra maneira” (p. 28). Mário Moura faz uma crítica à abordagem histórica que é feita ao pós-modernismo no design português no texto Pós-Modernismo na Arquitetura e no Design. O autor, por oposição à abordagem histórica feita à arquitetura, caracterizada por um conjunto de crises e rupturas, discorda da visão relativamente limitada da abordagem histórica às influências do movimento no design gráfico que, nas suas palavras, aplana e esquece divergências, “minimizando polémicas e dissidências” (p. 147). 

Em A Forma segue a Função: Uma Fórmula Repetida, Moura explora o discurso do design gráfico para além da questão visual e os diferentes níveis de contaminação do conteúdo e das formas gráficas. Em Ornamento, Design e Estado Novo, são abordados os diferentes modelos de trabalho das pessoas que praticavam design e a sua relação com o Estado, a par da crescente desvalorização do ornamento e consequente valorização da forma. “Tende-se, erradamente, a avaliar a presença do design pelos seus objetos ou temas comuns. Ao fazê-lo, esquece-se que o design também tem uma parte processual e institucional” (p. 48). 

Em Banda Desenhada e Design: As Influências Recíprocas, o autor foca-se no caso de estudo da coleção portuguesa Quadradinho, influenciada pelo design da publicação norte-americana Emigre. Em Vítor Silva Tavares e as Três &etc Moura escreve, novamente a partir de um caso particular, sobre a reutilização das formas: “É perfeitamente comum alguém inventar uma forma, ficando à espera do conteúdo ou da função que melhor se lhe adeque” (p. 66). Em A Dentadura Nómada, o texto incide em torno do desejo de um “design autêntico e intemporal, imune à passagem do tempo, de valor universal” (p. 78) e da constante procura por formas ou significantes soltos aos quais se possam colar os mais diferentes significados. Em Copiar É Um Trabalho Difícil, Moura escreve sobre a importância da citação declarada de objetos de design que, nas suas palavras, “dão densidade e consistência ao processo do design” (p. 122).

O fascículo, como formato central no mundo editorial português, caracterizado por um mercado pequeno e pobre, é o formato em destaque na crónica O Fascículo: Uma Forma entre Duas. Em Sebastião Rodrigues e a Fina Linha Vertical, um dos mais celebrados designers portugueses vê – no catálogo publicado por ocasião de uma exposição retrospetiva do seu trabalho em 1995 na Fundação Calouste Gulbenkian – uma linha de que se apropriou de Perspectives para a lombada de Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico ser denunciada por Robin Fior. Segundo o autor, Fior “foi dos poucos a inventariar-lhe em público as influências, evitando também o tom deslumbrado com que se costuma escrever sobre o designer” (p. 92). 

A partir de todas estas perspectivas interessantes e curiosidades particulares, Moura explora uma série de referências fundamentais para o pensamento do design português. Partindo sempre de uma base nacional, habitualmente pouco explorada, o autor procura, com uma visão abrangente, estabelecer uma teia de influências e genealogias internacionais. Para além disso, procura uma abordagem formalista, focada nos objetos e no processo em si, na tentativa de “fazer uma história e uma crítica que não assente na unidade mais comum com que se costuma praticar a história do design em Portugal, ou seja, a unidade do autor, do designer” (p. 171).

Entre os aspetos menos positivos destacaria aqueles que estão mais diretamente relacionados com a conceção gráfica da obra, nomeadamente o formato demasiado grande do livro e a fragilidade da sua capa, os quais tornam a experiência de leitura menos agradável e condicionam a portabilidade do objeto. Considero ainda que a legendagem das imagens é por vezes ambígua e torna-se invisível nas margens interiores, e que a escolha cromática do efeito duotone pode ser considerada problemática quando se procura mostrar trabalhos gráficos de outras autorias em esquemas de cor que não são os originais.

Este é um livro importante por conseguir transpor os limites de uma exposição, colocando-a, de certa forma, em circulação e acessível a públicos diversos num país bastante desigual. Mas sobretudo por promover o debate em torno de questões como: De que maneira é que hoje ainda se perpetuam formas criadas noutros regimes políticos? Que formas são essas? Com que profundidade são influenciadas? Pode ser imputada qualquer responsabilidade ao design?

Recensão de:
João Pedro Costa

Licenciatura em Design de Comunicação, FBAUL

Disciplina: Estudos em Design, 2022-23