Mulheres Invisíveis

Criado Perez, Caroline

Mulheres Invisíveis

2020 Lisboa
Relógio d’Água
Editora

Mulheres Invisíveis tem como principal objetivo mostrar dados e estatísticas que provam que existe um enorme défice informacional de género, revelando que metade da população humana é sistematicamente ignorada. É uma denúncia de como este défice prejudica as mulheres: no planeamento urbano, na política, no trabalho. É sobre o que acontece às mulheres que vivem num mundo construído por e para homens. 

Caroline Criado Perez defende que esta é uma causa e consequência de uma irreflexão que concebe a humanidade como quase exclusivamente masculina — a abordagem masculino por defeito. A autora enfatiza que estes pensamentos de universalidade masculina não são maliciosos ou até deliberados; no entanto, eles são produtos de uma concepção que existe há milénios. O livro fornece imensos exemplos de preconceitos contra as mulheres, uns mais conhecidos que outros. Estes incluem a homenagem de 2013 ao tenista Andy Murray como o primeiro britânico a vencer o Torneio de Wimbledon, quando na verdade Virginia Wade havia vencido o torneio mais de três décadas antes, em 1977. 

Tudo está marcado — desfigurado — por uma “presença ausente” de forma feminina. (…) Este défice não tem que ver apenas com silêncio. Estes silêncios, estes espaços deficitários, têm consequências. Todos os dias afetam as vidas das mulheres (p. 13). 

Este livro não só é uma história de ausência como também é uma história de viés inconsciente. Não trata apenas das mulheres serem excluídas propositadamente pelos homens em assuntos como tratamentos médicos, por exemplo. No entanto, quando estes vieses são expostos, raramente é feito algo para os combater. E esse é, verdadeiramente, um dos pontos mais importantes deste livro: se desenharmos e construirmos um mundo sem considerar as necessidades e os hábitos das mulheres, estamos a pô-las em perigo. As mulheres são socialmente condicionadas e tratadas de um modo particular — comparar a sua situação com a dos homens é só útil até um certo ponto. É muito fácil escorregar numa mentalidade em que os homens são o ser humano padrão; já as mulheres são, como observa Criado Perez, um nicho. 

O design é, sobretudo, para as pessoas. Porém, como vamos projetar para incluir metade da população da humanidade, se elas não são vistas como importantes o suficiente? Visto que as mulheres são “difíceis de compreender”, com corpos e hormonas não-lineares, onde é necessário pesquisas mais sofisticadas — e portanto mais caras. É muito mais fácil, e barato, apenas pensar nos homens e nas suas necessidades. Porque não pode a mulher ser mais como o homem? “É este o poder do mMasculino por defeito” (p. 24). 

Não obstante, são desenhados projetos apenas a pensar nos homens (especialmente homens cisgénero) porque eles fazem parte da maioria dos designers. Eles não têm a experiência das mulheres e não investigam sobre isso, já que, geralmente, isso não lhes ocorre ou não lhes interessa. Enquanto as mulheres são ensinadas a identificarem-se com homens e mulheres (possivelmente a favorecer a experiência masculina), os homens não são ensinados a olhar — ou a pensar sobre — a experiência das mulheres. Por esse motivo é que a representação nos media é tão importante. 

Criado Perez atribui as diversas dificuldades relacionadas com a visibilidade das mulheres às lacunas nos dados. Existem casos que são tão comuns e banais que nunca iríamos pensar que surgem de um défice informacional de género. Os manequins de acidentes de carro, por exemplo, são na sua maioria baseados numa média de peso e altura masculina. Como tal, o design de cintos de segurança não é geralmente adequado a pessoas de estrutura feminina, as quais são geralmente mais baixas e leves. Isso faz com que uma mulher tenha mais 47% de probabilidade de ter um acidente de carro do que um homem e 17% de probabilidade desse acidente ser fatal. E isso acontece só porque falhámos em levar em consideração as diferenças de género ao fazer o design dos equipamentos de segurança de um carro. 

A autora nota ainda que os medicamentos que são maioritariamente prescritos para mulheres são quase exclusivamente testados em homens, tais como os antidepressivos ou o Viagra, que poderia ajudar a tratar a Tensão Pré-Menstrual. Porém, as empresas farmacêuticas não querem comprometer-se com esses testes, pelo possível risco da perda de lucro. Até nos smartphones, cujo design foi aumentando cada vez mais em sofisticação e complexidade, isso se verifica O smartphone médio tem agora 14 centímetros; isso pode ser impressionante, mas o caso muda quando se trata de o fazer caber nas mãos de metade da população. Enquanto a mão da mulher média não é muito maior do que o dispositivo, a mão média de um homem segura-o confortavelmente. Trata-se de uma inconveniência, especialmente quando vem de uma empresa como a Apple, onde estudos mostram que as mulheres têm mais preferência em possuir um iPhone do que os homens. Esta tendência até pode ser atribuída às malas de mão, mas as mulheres só as usam pelo facto das suas roupas não terem bolsos adequados. Como a autora explica, “conceber telefones adequados a malas de mão e não a bolsos parece o cúmulo dos cúmulos” (p. 180). Isto pode estar a afetar a saúde não só das mulheres, mas de toda a gente com as mãos mais pequenas do que a média. Quanto ao contínuo aumento no tamanho dos nossos telemóveis, o jornalista especializado em tecnologia James Ball, citado pela autora, assegura que os ecrãs provavelmente não irão ficar maiores, porque “já atingiram o limite do tamanho das mãos dos homens” (p. 181). 

(…) mais uma vez sugere que o problema está nas mulheres e não no enviesamento masculino que afeta o design. (…) se as mulheres não estão a impulsionar as compras de smartphones topo de gama, será por não estarem interessadas em smartphones ou poderá ser por os smartphones serem concebidos sem consideração pelas mulheres? (p. 181). 

No meio de tantas informações reveladoras no livro, da lacuna de dados das mulheres e das suas experiências quando estas não são incluídas em estudos, Mulheres Invisíveis tem a sua própria lacuna de dados quando se trata de mulheres LGBTQIA+. Criado Perez faz um bom trabalho ao incluir mulheres de cor, de diferentes países e origens socioeconómicas, no entanto, como é que um livro de 2019 não menciona mulheres queer, mulheres trans ou mulheres com deficiência é bastante desconcertante, especialmente quando estes grupos enfrentam dificuldades específicas. Percebo que a autora possa não querer abordar esses assuntos pela sua potencial falta de experiência própria; contudo, era importante reconhecer essa falha. 

A solução é verdadeiramente simples. Precisamos ouvir as mulheres. Precisamos colocá-las em posições de poder. Precisamos envolvê-las em processos de decisões que as impactam. Segundo Criado Perez, o “enigma de feminilidade” de Freud é simples: só precisamos perguntar às mulheres.

Recensão de:
Mariana Rocha

Licenciatura em Design de Comunicação, FBAUL

Disciplina: Estudos em Design, 2022-23