O Design do Dia-a-dia

Norman, Donald A.

O Design do Dia-a-dia

2006 Rio de Janeiro
Rocco
Editora

Em O Design do Dia-a-dia, publicado originalmente em 1988 e traduzido e republicado pela Editora Rocco em 2002, Donald A. Norman alia os seus conhecimentos sobre ciência cognitiva à sua experiência ao utilizar diversos objectos do quotidiano. Assim, o autor esmiúça, ao longo de 7 capítulos, o porquê de certos produtos serem feitos da maneira que são e, na maior parte dos casos, critica construtivamente a falta de consideração posta em projetá-los, tendo em vista a experiência do utilizador. 

Para Norman, a facilidade em utilizar um produto é o expoente máximo do design. Esta opinião leva-o a criticar, ao longo do livro, a ênfase que designers da sua época colocam apenas na estética dos seus produtos, os quais apesar de apresentarem um uso obtuso e pouco prático chegam a ser galardoados com prémios de design: “Nós somos cercados por objetos de desejo, não por objectos de uso” (p. 252). Segundo o autor, este design que ignora a experiência do utilizador é o responsável pela inaptitude que sentimos ao utilizar da forma errada um objecto quando o encontramos pela primeira vez. Tendo em vista esta crítica, o autor debruça-se sobre objectos do dia-a-dia uma vez que, segundo este, “a tecnologia de ponta muda rapidamente, mas a vida quotidiana muda devagar” (p. 16) e as interacções do ser humano com estes objectos mundanos permanecem imutáveis durante grandes períodos de tempo. 

No capítulo introdutório, ‘A psicopatologia dos objectos do quotidiano’, Norman apresenta diversos exemplos de situações que ou presenciou ou lhe foram contadas, nas quais é evidente a frustração causada ao tentar utilizar certos aparelhos comuns. Segundo ele, a função do designer é criar um objeto que, através da sua aparência (“imagem de sistema”, as características físicas do objeto, que são apresentadas ao usuário), permita ao utilizador formar uma ideia de como o utilizar semelhante à intencionada pelo designer. Assim, o design será perfeito quando o “modelo de design” e o “modelo do usuário” forem os mesmos. É também neste capítulo que são apresentados conceitos desenvolvidos pelo autor nos capítulos seguintes, e que, se utilizados corretamente pelo designer, permitem tornar mais intuitiva a utilização do produto pelo usuário. Estes incluem affordances, descritas como características intrínsecas de um objeto que suscitam um tipo de reação, como chapas retangulares em portas para serem empurradas ou maçanetas para serem rodadas. Por sua vez, o princípio do mapeamento, o qual determina a relação entre os controlos, o seu movimento e o resultado no mundo – por exemplo, rodar um volante para a esquerda para virar nessa direção, ou carregar no interruptor da luz à esquerda para acender a luz mais à esquerda da sala: se um controlo estiver bem mapeado, o utilizador deve saber intuitivamente o que fazer com ele de modo a obter o fim desejado. De igual forma, o princípio do feedback determina que todos os efeitos que o utilizador causa num objecto devem ser visíveis para o próprio ao longo do processo de utilização: mostrar ao utilizador a reação da sua ação permite detetar erros mais facilmente e mais cedo. 

O paradoxo da tecnologia é uma ideia apresentada no início do livro que permanece relevante ao longo de toda a sua leitura. À medida que a tecnologia vai evoluindo existe a tendência por parte dos designers para colocar cada vez mais funções em apenas um produto. Isto leva à concepção de um objeto de cada vez mais difícil utilização, devido a um enorme número de controlos, ou inúmeras (e esquecíveis) combinações de botões a ser pressionados para realizar uma ação. A solução encontrada por Norman, por ele revelada no último capítulo do livro, será esconder os controlos que o utilizador não pretende utilizar, revelando-os apenas quando estes se tornarem relevantes. Isto é já algo que diversos sites e aplicações de telemóvel fazem hoje (por exemplo, carregar no botão de definições para só depois diminuir o som da música, efeitos sonoros ou diálogo num videojogo). 

No capítulo 3, o autor elabora a respeito do papel da memória na interação com o objecto e o equilíbrio que o designer deve fazer entre a quantidade de conhecimento prévio – “conhecimento na cabeça” – e o conhecimento adquirido através da análise e interpretação das características do objecto – “conhecimento no mundo” (p. 81). Um bom exemplo deste equilíbrio, dado por Norman neste capítulo, é a facilidade com que os trovadores da Idade Média recitavam longas histórias exatamente como as tinham ouvido de outros trovadores, aparentemente decorando todas as palavras. Ora, esta tarefa torna-se bem mais plausível quando se leva em consideração que, decorando a narrativa principal, o esquema rimático e a métrica, a tarefa de reconstruir a canção é bastante facilitada. Também deste modo um produto que exiba um bom conhecimento no mundo necessita de menos conhecimento prévio da parte do utilizador e como tal permite que este consiga deduzir como usará esse produto. 

O capítulo 5 é inteiramente dedicado a erros humanos que devem ser previstos no projeto de um produto, cada um analisado e exemplificado pelo autor de forma direta e bastante humorística. Entre eles encontram-se os erros de captura, nos quais a execução de uma ação semelhante a outra já feita muitas vezes leva a que, inconscientemente, se realize a que foi executada mais vezes. Por exemplo, quando saímos de carro num domingo para ir a uma loja e acabamos no nosso local de trabalho sem termos dado conta. Já os erros de descrição descrevem como, quando confrontados com duas ações semelhantes com uma descrição mental vaga o suficiente, nos confundimos e acabamos por fazer a errada. Por exemplo, se distraidamente colocamos uma camisola suja na sanita em vez de na cesta da roupa para lavar, isto deve-se ao facto de a descrição mental da ação ser algo vago como “colocar a roupa na abertura de cima do recipiente” à qual tanto a sanita como a cesta se adequam. Os erros de perda de ativação, nos quais o propósito da ação é esquecido enquanto a executamos, incluem quando nos levantamos para ir buscar algo mas esquecemo-nos de quê no meio do caminho. 

O último capítulo é dedicado ao resumo de todas as ideias apresentadas ao longo do livro, bem como a um apelo do autor aos leitores, com o tom de comicidade a que este já os terá habituado ao longo do livro, para que boicotem ao mau design, aquele que não é prático e apenas esteticamente agradável, e que recompensem o bom design e aqueles que o praticam. 

Este livro, de leitura bastante agradável e rápida, é recomendado tanto para designers como para qualquer pessoa que seja leiga na área, tanto pela forma como o autor fala diretamente com o leitor, usando linguagem simples e de fácil compreensão, como pelo tom humorístico que este emprega ao descrever as diversas situações que o levaram a escrever este livro. Por exemplo, no fim do livro Norman reflete sobre o seu próprio processo de escrita: “(Procurei evitar o uso de explicações entre parênteses neste livro porque receio que distraiam o leitor, tornem as frases mais longas e maior a carga de memória do leitor, como demonstra a presente explicação entre parênteses)” (p. 248). 

Há contudo um aspecto na estrutura de edição do livro que merece uma observação crítica: a listagem de notas num capítulo final ao invés da sua inclusão no rodapé da página onde são necessárias. Este aspecto faz com que a consulta de notas interrompa de forma desnecessariamente trabalhosa e maçadora a leitura do livro. Outro aspecto alvo de crítica é a utilização de diversos objetos da época em que o livro foi escrito, os quais, apesar da tentativa do autor de se focar em objetos que permaneceriam imutáveis, já não são utilizados nos dias de hoje. Isso faz com que soluções propostas pelo autor já tenham, entretanto, sido projetadas e concretizadas, podendo hoje comumente ser utilizadas. Este aspeto faz o leitor contemporâneo questionar-se sobre o real impacto que este livro terá tido no projeto de produtos após o seu lançamento. Em todo o caso, como os princípios abordados se mantêm relevantes e apenas os objetos mudam, apesar de este ser um aspeto negativo, possibilita uma nova dimensão de questionamento para o leitor, uma vez que este passa a indagar-se sobre que objetos do seu quotidiano seriam abordados (e como), caso este livro tivesse sido escrito na sua época. Em suma, O Design do Dia-a-dia é um livro que fará com que o leitor passe a prestar mais atenção ao mundo que o rodeia e ao propósito dos objetos que nele se encontram, bem como aos fatores que levaram ao seu projeto final e às falhas que estes possam apresentar. Independentemente dos conhecimentos do leitor sobre o tema, recomendo este livro a todos os que tiverem interesse em psicologia, design ou que apenas procurem uma nova forma de experienciar a sua vida quotidiana.

Recensão de:
Gilberto Teixeira

Licenciatura em Engenharia Aeroespacial, IST

Disciplina: Estudos em Design, 2022-23