Lançado em 2021, CAPS LOCK, o mais recente livro de Ruben Pater, é uma adição aos outros projetos desenvolvidos pelo designer holandês, nos quais aborda temáticas complexas relacionadas com o design, como é exemplo o seu primeiro livro, The Politics of Design (2016).
As componentes visuais da capa e o subtítulo inerente a CAPS LOCK: How Capitalism took hold of graphic design, and how to escape from it, permitem-nos antecipar o conteúdo presente ao longo do livro e como este se estrutura. Em CAPS LOCK é essencialmente exposta a relação entre o capitalismo e o design. Para tal, Ruben Pater demonstra em cada capítulo, através de diferentes papéis que o designer pode assumir, exemplos de como o capitalismo e o design se interligaram ao longo da história. A segunda parte do subtítulo sugere a presença de possíveis soluções para os eventuais problemas desta relação entre design e capitalismo, tal como é explorado no final do livro.
Os capítulos são divididos em quatro partes. Na primeira parte é demonstrado como o trabalho dos designers contribui para o desenvolvimento do capitalismo; a segunda expõe o designer enquanto profissão; a terceira apresenta ideias que surgiram na área do design como resposta ao capitalismo e termina de forma mais positiva com exemplos de coletivos de design que procuram tornar esta prática mais ética e sustentável. Por último, a quarta parte aborda o Outro, que resume os diversos tópicos explorados ao longo do livro e é finalizada com uma conclusão bastante pessoal do autor.
A introdução do livro é suficiente para compreender a complexidade e diversidade de tópicos que se inserem na temática principal. O que sem dúvida auxilia a leitura de um tema complexo e vasto é a linguagem clara, desde logo proclamada na própria contracapa do livro. No entanto, a linguagem escrita é mais clara do que a visual, sendo a conexão entre texto e imagens um pouco incómoda devido a conteúdo textual (inclusive parágrafos) estar separado por imagens, quebrando por vezes ritmo de leitura.
Este aspeto, assim como a enorme quantidade de imagens e de informação factual e histórica em quase todos os capítulos, remete-nos por vezes para a sensação de leitura de um livro de história. Isto poderia criar uma certa monotonia de leitura mas a relevância, importância e novidade dos factos e exemplos apresentados, pelo menos para a maior parte dos leitores, contribui para uma leitura não menos intrigante. Além disso, esta abordagem permite que qualquer pessoa que leia o livro, independentemente do grau de conhecimento sobre o tema, consiga perceber tudo facilmente.
O texto e o seu conteúdo ao longo de toda a estrutura permanece sempre coerente e a conexão entre os diferentes capítulos e partes é instantânea – um aspeto positivo que permite ao autor conectar as diversas sub temáticas deste livro. Por exemplo, no capítulo ‘The Designer as a Brander’, o autor explica as origens históricas da utilização de símbolos para identificação de produtos e marcação em escravos, algo que permitiu a criação das primeiras grandes corporações durante o colonialismo. No final deste capítulo e ao longo do capítulo seguinte, ‘The Designer as a Salesperson’, o autor continua a linha de pensamento ao expor como o design, a partir das origens históricas explicadas, se tornou numa forma de promover o consumo, promoção de produtos e publicidade necessárias e inerentes ao capitalismo.
Cada uma das quatro partes tem cerca de quatro capítulos e cada capítulo contém vários subtítulos. Tendo em conta a enorme diversidade de assuntos abordados no livro, esta estratégia possibilita uma melhor identificação dos mesmos. Caso o leitor queira fazer uma leitura mais pausada, esta estrutura permite que facilmente se retome ao local do livro onde se suspendeu a leitura.
Outro aspeto positivo que permite a leitura com pausas, é a possibilidade de todas as partes e capítulos do livro poderem ser lidas quase isoladamente e compreendidas facilmente de qualquer modo. Além de todo o texto e conteúdo manter ao longo desta estrutura uma coerência e conexão entre os diferentes capítulos, não é necessário ler os capítulos ou partes de forma linear para compreender o seu conteúdo.
Apesar de o livro parecer longo, das suas 556 páginas muitas contêm várias imagens diretamente relacionadas com o texto. Por exemplo, na parte 1 nos subtítulos ‘In Gold We Trust’ e ‘Notes from the Bank’, o autor faz uma explicação histórica sobre a evolução do design de dinheiro (como notas e moedas), a qualé acompanhada de imagens de diferentes moedas e notas reais referidas no texto.
O que acaba por dificultar uma leitura seguida do livro é provavelmente a sua diversidade enorme de assuntos e a forma como estes são apresentados. Por exemplo, na parte 3 e em diferentes capítulos, o autor aborda desde a mentalidade ‘hacker,’ que liberta os designers da dependência dos softwares das grandes empresas, ao modo como o design especulativo acabou por contribuir para o consumismo, ou a como o design social tem sido apropriado de forma inadequada.
A estratégia de abordagem dos assuntos é em regra sempre a mesma: apresentação de um contexto histórico, exemplos e conexão desse contexto a exemplos contemporâneos. A repetição da mesma linguagem, estilo de escrita e estratégia de abordagem dos assuntos ao longo de todo o livro acaba por dificultar uma leitura linear. Tendo todos estes aspetos em conta, muitos leitores poderão beneficiar de uma leitura com pausas.
A pertinência dos conteúdos é provavelmente das características mais positivas do livro. Nenhum tópico parece desnecessário e o conjunto de todos os conteúdos é coerente e importante para uma reflexão mais crítica acerca da temática por parte do leitor. A bibliografia e referências encontradas no final do livro são em geral bastante atuais.
Essa reflexão crítica e pessoal do leitor é quase inevitável, principalmente devido ao estilo de escrita, direta e clara como já mencionado, mas, em simultâneo, quase imparcial. Ao longo do livro Ruben Pater apresenta os conteúdos sem manifestar uma opinião pessoal que possa influenciar o leitor. Assumimos de certo modo que os conteúdos, principalmente os de caráter histórico, são praticamente todos factuais. Isto é exemplificado logo no início do livro com a explicação do papel dos escribas enquanto designers e o seu contributo para a criação dos documentos e objetos necessários para a organização económica em grande escala. Não obstante, o facto do autor inserir ao longo do livro a opinião de diversas pessoas, apenas no capítulo final — ‘The Other’ — obtemos a opinião e reflexão do autor sobre o tema geral do livro. Graças ao seu conteúdo e abordagem prática, CAPS LOCK permite uma reflexão crítica consciente e bastante completa sobre um tema complexo. Esta reflexão é possível independentemente do leitor estar profissionalmente ligado à área do design, alargando deste modo o público alvo. A escrita e estrutura simples também alarga bastante a faixa etária dos potenciais leitores desta obra, admirável pelo modo como expõe tantos assuntos escassamente falados. É por isso recomendável para qualquer pessoa que tenha interesse em compreender como o design que nos rodeia está associado ao sistema capitalista implementado em tantas partes do mundo.
Recensão de:
Madalena Galvão
Licenciatura em Design de Comunicação, FBAUL
Disciplina: Estudos em Design, 2022-23